O Exame de Ordem e a Prática da Advocacia

Já há muito tempo eu queria abrir um espaço no blog para falar de algo mais importante que matéria seca de direito: A prática da Advocacia. Por isso, irei abrir um espaço para registrar tudo que estou aprendendo e quem sabe, poder ajudar aqueles que como eu, estão iniciando na carreira.

O fato é que o profissional se dedica ao máximo durante a vida acadêmica, acreditando que quando for realizar as atividades da profissão, estará preparado. Se engana. A prática nos aparece como um mistério. Os juízes, que nos esperam no judiciário e que formaram há milhões de anos luz, não querem saber das exigências da OAB na criação de uma petição. Tudo que aprendemos com tanto esforço fica pra trás. Pouco se importam com os novos entendimentos doutrinados. Eles são como elefantes e andam no mesmo caminho, praticam as mesmas teses. Lembre-se que a grande maioria não teve que se submeter ao exame de Ordem. O exame só passou a existir em 1994. Há inúmeros profissionais lá fora, inclusive muito competentes e conceituados, exercendo a advocacia sem nunca prestarem ao exame de Ordem. São conceituados porque possuem experiência. E possuem experiência porque puderam trabalhar.

A bem da verdade, depois que formamos, nasce uma nova escola e o nome dela é prática. Imagina a cara do recém formado, aquele que sempre tirou excelentes notas, linguajar perfeito, definhando perante o judiciário. É bem isso que acontece. Tem cada tese preciosa que aprendeu derrubada num piscar de olhos. Vários procedimentos que teve que aprender para as provas da faculdade,  para passar no exame de Ordem, nunca foram seguidos pelos profissionais atuais. Aprende-se a teoria correta para praticar o "errado".

Por estas razões é que desconfio um pouco da tese daqueles que levantam a bandeira do Exame de Ordem. Dizem seus defensores que, quem não passa na prova, não se preparou o suficiente ou não sabe o suficiente. 
"O Exame de Ordem permite a] aferição da qualificação técnica necessária ao exercício da advocacia em caráter preventivo, com vistas a evitar que a atuação do profissional inepto cause prejuízo à sociedade."
—Ministro Luiz Fux, do STF.12

Destaque-se que o Ministro nunca passou no exame, sequer precisou fazê-lo. E mesmo assim, advogou, tornou-se Promotor de Justiça, Juiz de Direito e hoje, Ministro da Corte Suprema.

Mas a pergunta é: Seria o exame de Ordem um meio eficaz para se avaliar a capacidade profissional do estudante? Lembre-se que o fundamento principal da existência desse exame (teoricamente falando), é justamente avaliar se você está pronto para advogar. No entanto, temos nele, várias exigências que são irrelevantes para a prática do Direito, em especial, na segunda fase do exame.

Eu conheço pessoas que passaram no exame de Ordem logo de primeira e formaram sem saber redigir uma petição. Outras que eram extremamente experientes e inteligentes, e estão há anos tentando aprovação.

O fato é que a sociedade entende que a prova da Ordem avalia a capacidade profissional e o nível de conhecimento. O problema é apenas esse. E não a prova em si. Porque a prova nada mais é que um meio de controlar o exercício da profissão, de proteger seu valor no mercado de trabalho. E nesse prisma, ela é uma prova de eliminação e não de avaliação da capacidade profissional. 

Em uma turma de formandos, existem aqueles que fizeram Direito apenas para concurso, sem intenção de ser advogado, outros que fazem Direito apenas por fazer. Existem  aqueles que sempre se dedicaram para advogar e aqueles que preferem vender picolé a ter que se submeter ao exercício da advocacia. Imagine se toda essa demanda de alunos tivessem o direito de formar e se tornar um advogado. Poder ser chamado de advogado apenas porque conseguiu formar. A profissão estaria desvalorizada e saturada (mais do que já está).

Assim, o ideal do exame de Ordem não é avaliar a capacidade do profissional. Não é medir seu nível de conhecimento, tão pouco sua inteligencia. O ideal do Exame de Ordem é controlar a fábrica desmedida de advogados, que brotam até nos boeiros das universidades. 

O curso de Direito é um dos mais escolhidos no país. Não só por aqueles que sabem o que querem da vida. Ele é uma excelente escolha para aqueles que "não sabem o que querem ser quando crescer". Pois  é uma escolha que dará oportunidade do profissional exercer atividades em inúmeras coisas, em diversas áreas. Um bacharel em direito cabe em um escritório de contabilidade, cargo administrativo, em inúmeras vagas de concursos, e toda e qualquer empresa precisa desse profissional, ainda que não seja advogado. Sendo bacharel em Direito, você pode ser delegado, policial, Analista Judiciário, etc.

Além do controle, a prova arrecada um valor considerável. Cada avaliação de Direito custa ao estudante uma "pequena bagatela" de R$ 200,00. Milhares de pessoas tentam a prova todos os anos, as vezes, elas fazem a prova 3 vezes ao ano, investindo cerca de R$ 600,00 cada. Você consegue imaginar o quando o Órgão arrecada com isso?

Se o exame de Ordem fosse para avaliar a competência, a inteligência, o nível de conhecimento do candidato, ele existiria em todas as áreas, sendo realizado pelos respectivos órgãos referentes.
Pense em uma coisa: O advogado é um dos poucos profissionais (se não for o único) que trabalha submetendo seus conhecimentos à constante avaliação de terceiros. Depois que o advogado faz uma petição, ele submete seu trabalho não só ao advogado da outra parte, que fará de tudo para achar um erro e extinguir a ação, mas também submete ao juiz de primeira instância, de segunda, à turma recursal, ao Supremo Tribunal Federal, que é composto por 11 ministros. E se não for um bom profissional, sua peça nem chega à última instância. Tudo que um advogado faz é avaliado por profissionais que ocupam cargos superiores: juízes, desembargadores, ministros. 

A própria sociedade realiza essa avaliação. Se um advogado ganha inúmeras causas, logo fica conhecido na sua região e ele é constantemente procurado. Aquele recém formado, por outro lado, é tratado como um ser que nada sabe, sendo contratado apenas como um voto de confiança de amigos ou porque oferece um preço  baixo.

Agora pense em um médico. Por dia, um médico confecciona inúmeras receitas e diagnósticos. Você não sai de seu consultória e submete de imediato o atestado médico à uma segunda avaliação, de um outro profissional. Se o remédio receitado não for de fato apropriado, ou se o diagnóstico estiver equivocado, você só irá descobrir na própria pele, quando só depois, se submeterá à um novo profissional. O fato é que o médico, não tem seu trabalho avaliado o tempo todo. Ele tem independência, inclusive, para errar. E se você for parar pra pensar, a saúde deveria ser tratada com muito mais cuidado do que a expectativa de direito.

No entendo, a sociedade precisa de médicos, o quanto possível. O curso de medicina é caro, passar no vestibular de medicina já é uma missão quase impossível, por isso, o número de formandos é sempre inferior àquele que a sociedade precisa. É uma profissão que nem de longe está a se desvalorizar. A própria necessidade a faz única. O que não quer dizer que todo estudante consegue formar com um bom nível de conhecimento. Mas permite-se que ele adquira esse conhecimento, exercendo a prática e não se submetendo à um exame. Logo esse profissional que lida com vidas pode na base do diploma, administrar vidas.

Além do mais, existiria outras formas de se avaliar a competência profissional, deixando que o advogado exercesse sua profissão adquirindo experiência ao mesmo tempo.  Em Portugal, por exemplo, há um estágio final antes do exercício da advocacia que é precedido por um exame de admissão. Esse exame tem o objetivo de avaliar o aluno e seus conhecimentos. Em caso de reprovação o bacharel continua atuando com uma carteira provisória de estagiário, que lhe dá limitações ao exercício da profissão. No entanto, em Portugal não há lei que expresse a impossibilidade de advogar em caso de reprovação no exame, apenas atos administrativos. Dessa forma, caso haja reprovação contínua do estagiário, este passa por uma "quarentena" de 3 exames ( aproximadamente 3 anos ) antes de obter, finalmente a carteira definitiva de habilitação para advogar. Esse meio, pode lhe parecer absurdo, mas é mais justo e eficaz que o exame de ordem, uma vez que "questões" teóricas não podem fazer de uma pessoa, um bom profissional.

Por tanto, esqueça essa ideia de que o Exame de Ordem está aí para avaliar a capacidade, a competência, o nível de conhecimento. Obviamente, se você não se preparar muito, não vai passar. O que não quer dizer que quem se prepara muito, ou é muito inteligente,  irá conseguir fácil. É um exame elaborado para você cair em erro, porque precisa te desclassificar e não aprovar. 

Que sua existência é necessária, isso quase ninguém contesta hoje em dia. O exame de Ordem é um mal necessário. Quando você conseguir sua carteirinha, irá perceber na pele o quanto nossa profissão está desvalorizada e saturada e o exame, de certa forma, ameniza esse quadro. Mas daí dizer que o exame avalia sua capacidade profissional ou seus conhecimentos jurídicos, é confundir muitas coisas.

Por isso eu sempre digo que passar no exame de ordem não deve ser um ato comemorativo. Não se deve comemorar o fato de você estudar anos, investir caro e não poder sequer exercer a profissão para o qual você se preparou durante os anos na faculdade. Deve-se apenas respirar aliviado.




(Texto de Sabrina Gomes.)


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